A villa romana da Horta da Torre e os monumentos áulicos da paisagem rural romana


Por limitações de espaço, não é este o local para apresentar e debater todo o manancial informativo recolhido nas escavações arqueológicas em curso desde 2012 na villa da Horta da Torre, que em outros locais tem sido sumariamente referido.

Relembrem-se apenas os dados mais significativos, começando por chamar a atenção para a proximidade deste sítio  - cerca de 8km – em relação à vizinha villa de Torre de Palma (Monforte), extensamente escavada e estudada durante cerca de 50 anos. Apesar da monumentalidade estrutural e exuberância de vestígios à superfície, a Horta da Torre permaneceu invisível para a investigação até à realização da Carta Arqueológica do Concelho de Fronteira, a partir de 1999, o que é revelador do modo como se encaram estes sítios como ilhas isoladas na paisagem.

As destruições motivadas por trabalhos agrícolas conduziram a um projecto sustentado de investigação plurianual que, apesar de confirmar o arrasamento de muitas estruturas e a perda de informação subjacente, também permitiu identificar um conjunto construído que, por vezes, tem um surpreendente grau de monumentalidade (1,35m de altura conservada no muro interior de fecho norte na sala de dupla ábside).

A área de escavação encontra-se em progressão a partir da estrutura conhecida como Torre, que na realidade se verificou ser o coroamento em dupla ábside de uma sala monumental com um stibadium. Trata-se da segunda estrutura deste tipo a ser identificada em Portugal após o exemplar de Rabaçal (Penela), tendo como paralelos conceptuais o caso de El Ruedo (Almedinilla, Cordoba) e, em especial, o de Faragola (Apulia), com o qual poderá partilhar a condição de cenatio estival.


Tal como neste sítio, verifica-se que o espaço da sala é concebido para proporcionar soluções altamente elaboradas que permitiriam a criação de um jogo de ilusões, construindo cenários artificiais. No caso da Horta da Torre, um orifício preservado e uma pequena comporta na parede detrás do stibadium possibilitavam a entrada de água para o interior da sala, criando uma fina película que teria efeitos visuais e sensoriais surpreendentes. Por este motivo, o pavimento da sala é revestido por um opus signinum impermeabilizante, estando a ligação ao rodapé feita por uma meia cana que impedia fugas de água. Sendo o espaço construído encarado como um todo, de gramática decorativa comum, os poucos dados recolhidos permitem entrever como a cenatio estival da Horta da Torre tem um programa pleno de inter-relações: um pequeno elemento arquitectónico em mármore que estaria no coroamento da parede regista um trifólio pertencente a uma planta aquática, a mesma que vemos nos mosaicos que estariam nas paredes acima do soco de placas de mármore, e que se encontraram altamente fragmentados no derrube parietal que preenchia por completo todo o espaço da sala. Deste modo, pelas soluções técnicas e decorativas, percebemos que toda a sala é pensada em função da presença de água, criando um aparato visual espetacular com correspondência em descrições de textos da época.

A sala de dupla ábside da Horta da Torre foi inicialmente considerada como a peça central de uma monumental villa romana, situação que os resultados da intervenção em curso desde 2012 pareciam confirmar. Seguindo a filosofia de open area, a área aberta iniciou-se pela estrutura de dupla ábside, mas entretanto já colocou à vista o espaço exterior à entrada da sala, composto por um largo peristilo que delimitava um jardim, bem como um outro peristilo anexo, em torno de um impluvium, e que parece configurar uma área mais intimista, com cubiculae em seu torno. Contudo, em 2018, no âmbito do Fronteira Landscape Project, em colaboração com a Universidade de Leiden, houve a possibilidade de se realizarem prospecções de geo-radar na envolvente da villa e os resultados foram surpreendentes. A sala de dupla ábside encontra-se em posição periférica face a uma estrutura com cerca de dois hectares que apresenta uma planimetria centrada em torno a dois pátios: um primeiro, de menores dimensões, que pode albergar a pars rustica, antecedendo um outro de dimensões mais substanciais. Destaca-se a ala norte, com grandes dependências que, em certos casos, parecem quadruplicar a sala de dupla ábside, e que também apresentam estruturas absidadas de ampla dimensão.

Entre esta ala e a do stibadium encontra-se um edifício com vários compartimentos de pequena dimensão em sucessão contínua, e um outro bloco que pode corresponder ao edifício termal. Em leitura geral, a estrutura de duplo pátio insere a Horta da Torre na família das grandes villae áulicas da Hispânia, embora as soluções da sala de dupla ábside denotem um requinte e uma elaboração do espaço com referentes extra-provinciais. Contudo, de momento, a área escavada assume dimensões modestas, com menos de 1000m2, articulada em torno da sala do stibadium e estendendo-se para os dois peristilos.