Uma visita com mais de 70 anos à Senhora da Vila Velha de Fronteira

 


A Senhora da Vila Velha é uma das joias do património fronteirense.

Na década de 50 do século passado, o padre Horácio Nogueira, então pároco da freguesia de Comenda, no concelho de Gavião, visitou a Senhora da Vila Velha, já então famosa no atlas regional do património religioso do Alto Alentejo.

Esta visita deu origem a um conto no livro 'Há Vida na Charneca', um pequeno bestseller local, com duas edições.

Horácio Nogueira visitou o sítio num dia ameno de outubro. 

"Um pouco antes da vila de Fronteira, atravesso uma curiosa ponte com muitos arcos. Choupos e salgueiros refletem-se nas águas mansas. Contorno a encosta. O veiculo sobe vagarosamente à sombra dos eucaliptos", escreveu.

"De súbito, na cúpula de outeiro, nívea e resplandecente, desenha-se uma ermida. Linda ermida pintada a sol na tela azul do céu", continua, em prosa poética.

Horácio Nogueira encontra ao lado da igreja a casa do ermitão.

"Uma mulher gorda, aparentando meio século de existência calma, faz um tremendo esforço para se levantar de uma cadeirinha baixa", regista. E eis que aparece um homem "na penumbra da casa". O homem, descalço, com um pequeno defeito na vista, cumprimenta o prior.

Ambos guardam a ermida há 25 anos. "E olhe que tudo quanto está feito fui eu que fiz", informa o homem.

"Num relance, olho toda a capela. Surpresa! As paredes revestem-se, de alto a baixo, de azulejos antigos. O teto, em abóboda, representa várias cenas da vida da Nossa Senhora e do Menino Jesus", continua Horácio Nogueira.

Depois de observar a imagem central da Senhora com o meninos nos braços, Horácio Nogueira ouve a mulher dizer enquanto aponta dois nichos:

"'Mártel' Santo e Santa Rita dos'Impossívales'."

A senhora Rosa informa que da primitiva povoação só sobrou a capelinha, no tempo de D. Dinis, e que o povo se mudou para o sítio da hoje vila de Fronteira. 

Rosa aponta depois para o Senhor Morto e diz que vai em esquife todos os anos à vila, "por môr de fazer as indoenças".

É a vez do homem informar que fez o caminho, a estrada da circunvalação, o adro e plantou as oliveiras. Diz que vai abrir uma cisterna em breve. "O corpo da igreja tem 700 anos, a capela-mor era uma mesquita", informa. "Lá em cima da mesquita houve um miradouro", acrescenta.

Saem da capela e vão ver as cisternas. "Já encontrei aqui uns trinta cadáveres", diz o ermitão.

Vendo as vistas, o guardião aponta:

"Aquele monte de Palma! Um ganhão arrancou lá um cascão e apareceu uma vila debaixo do chão".

Para saber mais sobre a Senhora da Vila Velha ver: 

"A Igreja da Nossa Senhora da Vila Velha e a sua envolvente arqueológica", André Carneiro

"O Pendor Artístico da Vila Velha - Estudos sobre a sua igreja", Inês Santos e Telma Pacheco

In "Testemunhos da Terra - Costumes e património do concelho de Fronteira", Caderno Cultural da Câmara Municipal de Fronteira, N.º 3, 2001